Nos últimos dias me deparei com duas declarações parecidas em contextos diversos que complementam algumas questões que venho levantando e gostaria de tratar aqui.
A primeira foi do autor Junot Díaz, dominicano-americano que ganhou o prêmio Pulitzer 2008 com o romance "A vida breve e bizarra de Oscar Wao" que a Editora Record lançará em breve. Em entrevista ao Estadão, Díaz levanta uma lebre cada vez mais recorrente nos tempos atuais que é a da condição do imigrante "latino", ou "hispano", a minoria mais numerosa nas terras do Tio Sam. Segundo ele, os brasileiros não se reconhecem nessa categoria e "fazem tudo para deixar claro que não são latinos", fato que não me espanta. O mais interessante da análise dele é que mostra como essa atitude acaba sendo prejudicial para a enorme massa de imigrantes brasileiros: "Num momento de vulnerabilidade como agora, quando a economia despencou, estão deportando brasileiros a rodo. Eles não construíram coalizões, estão isolados. Este solipsismo da natureza da identidade brasileira no contexto dos Estados Unidos, onde o que dá certo é construir redes, coletivos de grupos, voltou-se contra os brasileiros. Você vê isso em Massachusetts, a comunidade brasileira está sendo visada e não tem aliados."
É interessante o modo que ele coloca a questão das redes (teias) como elemento não só de sobrevivência como de pressão de uma comunidade imensa em meio a uma sociedade hostil. E é também interessante notar como o resto dos países "hispânicos" se confundem numa generalização absoluta, tornando-se todos iguais. Anos atrás, no ótimo filme "Un día sin mexicanos", de Sergio Arau, que simula um dia em que todos os latinos somem da Califórnia e o caos se instala, havia uma cena em que a empregada hondurenha é tratada como mexicana e o patrão, impaciente, afirma: "é tudo a mesma coisa". Sabemos que do lado de lá é mesmo. Há uma aparente união entre os "chicanos" que os tornam quase um objeto comum não-identificado. Daí os estereótipos e a pecha pejorativa da comunidade, que me leva à outra citação que li hoje do ator cubano-americano Andy García. Diz ele: "Todo el mundo sabe que amo mi cultura y siempre he dicho que soy cubano, pero yo no me considero un actor latino, ni quiero que me consideren ni me clasifiquen de esa manera. (...) A Dustin Hoffman no le dicen: es un gran actor judío americano. No creo que la herencia tenga nada que ver con la actuación, en realidad todos somos actores."
O grande desafio do nosso tempo é repensar essa imagem do latino, hispânico, chicano, cucaracha, sudaca, ou seja lá que nome for. Acredito no papel dos atores culturais como agentes transformadores, capazes de apresentar outros fios da teia. Afinal, muito dessa imagem é reafirmada por cada um de nós, às vezes até de maneira inconsciente. Mais uma vez é Díaz que entra com uma boa colocação: "seja o México ou Santo Domingo ou o Brasil, quase sempre exportamos expectativas pré-empacotadas, turísticas. Então a nossa 'intelligentsia', nossos artistas, nossos excêntricos, as pessoas que são cerebrais e interessantes não fazem parte do pacote exportado mas elas existem e são muitas."
Esperemos, pois o livro de Díaz por aqui para nos deparar com algo a mais dessa fértil e variada e desconhecida 'intelligentsia'.
Muito interessante a visão da rede de imigrates, ressaltando ser compreensível, dadas as circunstâncias, o afastamento da comunidade brasileira das outras também imigrantes nos Estados Unidos, especificamente.
ResponderExcluirA questão da imigração tem sido uma tônica na América - como também acontece na Europa - mas vemos o Brasil distante desse debate, o que se observa não apenas pela atitude do indivíduo que imigra, mas também pelo Estado brasileiro como defensor dos interesses desses imigrantes. Acredito que isso se dê, dentre uma série de motivos, por não querer assumir a condição de exportador de imigrantes - denunciando o nosso subdesenvolvimento econômico - e também pelo que você ressaltou, que é a tentativa de se manter alheio à identidade de chicano, frente a forte alcunha que o termo carrega. Fora, é claro, a aparente dificuldade em matermos uma interfácie com os nossos vizinhos, superadas apenas a custo de muito esforço, como os apontados no já lido livro "América Aracnídea".
Vale acompanhar o que se tem desenvolvido no âmbito interamericano a respeito dos direitos humanos dos imigrantes. Recentemente a Corte Interamericana de Direitos Humanos se pronunciou a este respeito, e conforta saber que este debate hoje é mais forte entre os Estados americanos do que em qualquer outro lugar.
Trata-se de uma boa e enérgica forma, além da cultural, de encorajar o culto às identidades, nacionalidades, culturas, ao conhecimento mútuo, à troca, ao respeito. Neste debate (imigrantes) nós, brasileiros, ficamos para trás, sendo ainda mais encantador o olhar atento para o que se contrói tão perto, neste racimo continental- como diria Neruda - e demais países Centro e Norte-Americanos.
Vou procurar o filme!
Fabio
Oi Fabio, obrigada pelo seu comentário. O filme foi lançado no Brasil pela ArtFilmes, não sei se saiu em dvd.
ResponderExcluirum abraço,
Ana.