quarta-feira, 24 de junho de 2009

Disneylândia everywhere

Não tenho o hábito de acompanhar a cobertura das semanas de moda que acontecem essa época do ano no Rio e em SP. Mas essa semana tive a sorte de ligar a TV justamente quando passava o desfile do Ronaldo Fraga, no SPFW, comentado pelo próprio estilista. Fiquei hipnotizada frente à suas proposta: denominado "A Disneylândia de Ronaldo Fraga", o desfile apresentava uma América remixada, mistura de Mickey Mouse com Frida Kahlo que, confesso, me deixou surpresa.

Normalmente atribuímos à América Latina elementos folclóricos - a  tradição indígena andina, a festa dos mortos, o milho, a lhama, a flautinha. Fraga misturou isso com Maga Patalógica - o que faz todo sentido pois não se pode pensar nessas terras sem considerar o enorme papel da mass midia gringa da segunda metade do século XX pra cá - e recriou uma nova leitura estética desses cantos, na melhor tradição antropofágica - e ao som delicioso de Lila Downs. 

Entrei no simpático blogue do Fraga e encontrei esse belo texto de apresentação do desfile, que pode ser lido na íntegra aqui:

Ainda bem que o velho mundo ficou no século passado… já estava cansado de viver num país que, ofegantemente, tentava chegar à Europa nadando e sem bússola. Agora, olho para os vizinhos de uma América Latina que não conheço. Uma América que, definitivamente, não é a dos generais e ditadores “cucarachas” perdidos no tempo. Que não é a do visto negado para os Estados Unidos, ou que paga caro a conta da corrupção.

É sem dúvida um convite para sacudir a poeira dando a volta por cima e renovarmos nossos olhares sobre os vizinhos, sem que isso tenha uma conotação ideológica. Chega daquela América embolorada e cheirando a mofo. Em pesquisa do Latinobarômetro, publicada hoje pela Folha, mostra que 73% dos latino-americano são favoráveis a uma integração econômica e apenas 60% apoia a integração política. Segundo a socióloga Marta Lagos, diretora do instituto, a razão principal seria a bipolarização do continente conduzida por Hugo Chávez, que acabou arranhando os esboços nessa direção (merci Chávez!). 

Mesmo de forma não declarada e panfletária, a cultura serve a esse propósito. O desfile de Ronaldo Fraga, a abertura do restaurante La Mar em SP, o show da Bethânia com a Omara ano passado... tudo isso são laços de novo tipo que se estabelecem com esse vizinho "que mal cumprimentamos no encontro diário no elevador", no dizer do próprio Fraga. E conclui que a "troca de xícaras de açúcar" com esses vizinhos que não falam a mesma língua pode se dar sim pelo lado estético, gráfico, musical contemporâneo.

Como já tinha feito o fotógrafo argentino Marcos López em seu ótimo livro Pop Latino, Fraga mistura referências pop ao mundo das tradições. Afinal em terras como as nossas, filhas de processos de colonização, falar em cultura pura ou em tradição de raiz é quase risível. Somos por definição uma mistureba danada, que inclui sim os Estados Unidos. Chega de nos ver como água e azeite. Não somos nós contra eles. Nós estamos neles e eles estão em nós. E é o resultado disso que há de ser viável economicamente.


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