domingo, 21 de dezembro de 2008

Resignificando a América

Acabo de voltar da Espanha, onde participei da BID, a 1a Bienal Ibero-americana de Design. O evento selecionou mais de 250 designers do continente para participar de uma enorme exposição na Centra Mataderos de Madrid. E durante 10 dias, organizou a Zona de Encuentro BID, série de mesas redondas em que profissionais discutiam várias facetas do tema.

Pela intensidade do encontro, haverá vários posts referentes à BID, mas queria começar esse com um observação interessante: as mesas redondas foram organizadas po
r país, prevendo um panorama geral da área de design e uma exibição de portfolios variados. Assim, acompanhei as mesas sobre Brasil, Argentina, Peru, Colômbia, Venezuela e México, e deixei de ir na do Chile, por problemas de grade.

Chama a atenção a mesa do Peru, coordenada pela designer Marita Quiróz, que iniciou sua fala expondo um mapa do país. O desconhecimento entre nós é tão grande, que precisamos chegar a esse nível de didatismo que seria impensável num evento europeu, por exemplo: imaginem um italiano mostrando um mapa da Itália para um público da Comunidade Européia e explicando resumidamente o que é o seu país... parece até piada! Mas em se tratando de design ibero-americano isso fez-se necessário, pela completa falta de circulação de informação, pelo desconhecimento de elementos básicos desses países. 

Senti que ali estava começando um pequeno movimento de integração. Não mais por questões ideológicas, mas por necessidade de conhecer e mesurar a força que temos na área, numa época em que as indústrias criativas ocupam 7% do PIB mundial. Fui a Madrid participar da BID porque acredito que o design - assim como a moda, também bastante presente no evento - pode ser um elemento importante nesse projeto de resignificar a América. Pensar nessa área bipolar - meio arte, meio indústria - como um espaço de inovação e reinvenção das tradições locais pode ser uma pista do caminho a seguir. E estou apostando nisso.




 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Reconstrução

A imagem que temos da América Latina - e mais especificamente do cinema latino-americano - é o tema do meu trabalho de conclusão de curso, da pós em gestão cultural na Fundação Getúlio Vargas. Apliquei 300 questionários ao público do Festival do Rio em 2007. No presente momento estou analisando os resultados mas já dá para tirar algumas conclusões, como por exemplo, a incidência recorrente de temas políticos e sociais. A América Latina está associada a revolução, resistência, miséria, corrupção, subdesenvolvimento, imperialismo, exploração, pobreza, etc. O filme mais citado foi Diários de Motocicleta. O personagem mais lembrado foi Che.

Isso reafirma a idéia da carga ideológica que esse termo comporta. Não conhecemos outra América sem ser essa.  Ou muito pouco. A proposta desse trabalho é repensar essa imagem buscando meios para sua desconstrução. Ou reconstrução. Será que é possível?


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Afinal, ¿de qué va?

América Aracnídea - teias culturais interamericanas trata de uma iniciativa do governo Vargas que envolveu inúmeros escritores e intelectuais entre os anos 1941 e 1948, com o objetivo de formular a "interpretação brasileira do pan-americanismo". A publicação do suplemento Pensamento da América, pelo jornal varguista A Manhã, foi um indício importante do modo como o Brasil se voltava para os países vizinhos numa tentativa de gerar maior conhecimento mútuo, no contexto da Política da Boa Vizinhança. 

Com um time composto por grandes nomes, como Manuel Bandeira, Ribeiro Couto, Renato Almeida, Cecilia Meirelles, Gabriela Mistral, Vinicius de Moraes, Dante Milano, Jorge de Lima, entre tantos outros, eles traduziram, compilaram, viajaram, trocaram, descobriram e publicaram uma enormidade de poemas, crônicas, pinturas, críticas literárias, dossiês históricos, mapas, partituras, desenhos, concursos, gravuras, fotografias, etc, etc, etc, sobre os principais nomes criativos das terras americanas - Estados Unidos incluido! De Walt Whitman a Torres García, passando por Borges, Rivera, Villa-Lobos e Alfonsina Storni, entre centenas de outros, procuravam formar uma imagem possível deste continente para o leitor brasileiro. É claro que, como toda imagem, possuía recortes bem nítidos delimitados pelo contexto político-diplomático. No entanto, os grandes intelectuais envolvidos deixavam escapulir lá e cá uma imagem muito mais densa e complexa do que uma mera propaganda conjuntural.




Latina???

A América Latina é o único caso de continente adjetivado do planeta! É uma invenção historicamente datada, que se consagrou no pós-guerra. O historiador da UNICAMP, Héctor Bruit, no artigo "A invenção da América Latina" faz um interessante histórico do termo, mostrando como, embora já fosse utilizado desde meados do século XIX, num contexto bastante preciso, era polêmico e pouco difundido, e foi adotado como conhecemos hoje em 1948, com a criação da ONU e do CEPAL. 

De fato,  na época do Pensamento da América, o jornal que deu origem ao meu livro, não se falava em América Latina. Falava-se em Américas, no plural, ou diferenciava-se geograficamente em "do Norte", "Central" e "do Sul". Ou em Pan-América, termo que vinha do início do século, mas que entrou em moda com a eclosão da Guerra. Mas América Latina é uma definição  geo-política, ideológica, usada para diferenciar o mundo desenvolvido do subdesenvolvido. E essa definição deixou muitas marcas. Muitas fantasias utópicas, sonhos e revoluções, marcas de tortura e de miséria inclemente. 

Já é hora de criar uma outra cara para esse lugar. Quem sabe um outro apodo, mais próprio ao século XXI e ao mundo globalizado? Algo que nos tire do gueto ideológico em que nos metemos há 50 anos, que sem dúvida rendeu muitos frutos, mas que já passou do tempo... Hoje, as veias abertas são outras...





Começo de conversa

Aproveito o dia de hoje, com o pretexto do lançamento do meu livro América Aracnídea, para tomar essa iniciativa há tempos fomentada em minha cabeça: a criação de um espaço de reflexão sobre esse inusitado e desconhecido espaço geográfico chamado América - Pan, Latina, Ibero, todas elas. Depois de alguns anos circulando nesses terrenos culturais, já é tempo de sistematizar idéias, organizar informações, criar possibilidades para realizações de novos sonhos.

O livro América Aracnídea tem sua origem logo no segundo ano de faculdade, lá se vão dez anos. Cursava uma disciplina de história da América que era a coisa mais desinteressante do mundo. Aulas chatas, um amontoado de clichês, uns exercícios dos mais bobocas... o trabalho final era em grupo e resolvemos fazer sobre o Haiti, país até então bastante desconhecido por todos nós. Foi quando me dei conta do quanto era difícil obter informações sobre o Haiti nas bibliotecas do Rio. Por sorte do destino, a internet estava começando a se popularizar e tinha acabado de ser instalada no computador de casa. Foi quando um mundo fantástico de pinturas naïfs e poesias em créole se abriu para mim. Comecei a me corresponder com um galerista americano  especializado em pintores haitianos, a descobrir sobre o Vodu, sobre a relação deles com a terra, com o idioma, com as cores do Caribe, apesar de tanta miséria. 

A partir daí, resolvi que queria trabalhar com isso: desvendando facetas desconhecidas dessa terra tão próxima a nós, mas cercada por tantos estereótipos, tantos clichês e preconceitos. Ao mesmo tempo em que começava a trabalhar numa mostra de cinema latino-americano, descobria os originais de Pensamento da América, que anos mais tarde me valeria um diploma de historiadora e, hoje, se torna esse livro, editado pela Editora Civilização Brasileira. Entre o início da pesquisa e o presente passaram-se oito anos e continuo com a mesma obsessão em desvendar esse continente, que quanto mais eu conheço, mais me dou conta de como é desconhecido aqui no Brasil. 

Mas a intenção está longe de ser (mais) uma celebração ufanista da América Latina. Pelo contrário. O que gostaria de propor é pensar essas terras em outros termos, sem a (pesadíssima) carga ideológica incrustada nas últimas décadas, sem o olhar de piedade cristão, sem o pieguismo característico de tantas leituras sobre o tema. Acredito que haja uma América extremamente fértil e criativa, contemporânea e ousada. Não quero mais discutir a "identidade latino-americana", tema de tantos e tantos livros/artigos/eventos sobre o assunto. É melhor falarmos de alteridade, ou para ser mais atual, em diversidade. Mais do que buscar aquilo que temos em comum, gostaria de propor uma viagem por aquilo que nos surpreende, que "nem parece que é". Mas é. 

Espero que tenha disciplina para manter esse blogue atualizado, pois assuntos não faltam. Eu mesma farei uma versão em espanhol, por isso peço perdão de antemão caso não esteja castiço à altura. Voluntários para as versões em inglês, francês e catalão são bem vindos!