Adorei o comentário feito por meu amigo Bernardo no post sobre a Bienal Ibero-Americana de Design pois ele abre para um tema que estava querendo abordar aqui. Ele sugere um artigo publicado no Los Angeles Times sobre o chef peruano Gastón Acurio. E me pergunta se a culinária não seria também um meio para se conhecer esses outros lados da América.
Sem dúvida que sim, e há muito venho me interessando por algumas áreas que ficam na fronteira entre criação e indústria, arte e comércio. Na verdade, é grande o escopo do que se convencionou chamar das "indústrias criativas". E a gastronomia, assim como o design e a moda, fazem parte desses meus centros de interesse que gostaria de tratar aqui.
Por ora, queria me limitar a alguns comentários sobre o Gastón Acurio, renomado chef peruano, que difundiu pelo mundo a ceviche e possui restaurantes em Lima, Madrid, San Francisco, México, Bogotá, Caracas, Panamá, Quito, Santiago e Buenos Aires.
Conheci o nome dele meio por acaso há pouco tempo quando estava pesquisando sobre o tema "imagem-país" para meu trabalho final do MBA em gestão cultural da FGV-RJ. Cheguei a um discurso que ele fez em 2006 onde coloca com muita pertinência alguns conceitos com os quais me identifico. O artigo dos Los Angeles Times reafirmou o importante lugar que ele ocupa nessa resignificação do continente.
Acho que vale reproduzir aqui um trecho do tal discurso, que pode ser lido na íntegra aqui:
"Los ciudadanos de todos los países industrializados han entendido que la gran riqueza no está solo en la elaboración de productos genéricos, sino en la creación de marcas cuyo reconocimiento en términos de calidad les permite expandirse por todo el mundo. Por ello, Suiza compró cacao y oro, y sus ciudadanos los convirtieron en chocolates Nestlé y en relojes Rolex; Japón y Corea compraron minerales y su gente los convirtió en Toyota, Nissan o Samsung; y en épocas aún más recientes, el norteamerican
o Howard Shultz compró café por el mundo y se lo devolvió convertido en Starbucks.
Pues bien, la gastronomía peruana hasta hace muy poco ha sido justamente eso: un gran recurso. [...] Sin embargo, nuestra gastronomía no es afortunadament
e solo un gran recurso, sino una suma de cocinas y conceptos que, en muchos casos, aún esconden un gran potencial. [...] Detrás de nuestra entrañable cocina criolla, de nuestras pollerías, de los chifitas de barrio, de la cocina novoandina, de las picanterías arequipeñas, de los anticuchos, de los sánguches, de la cocina nikkei o de las cebicherias, existen oportunidades inmensas de crear conceptos que trasciendan su ámbito local para convertirse en productos, productos peruanos de exportación que no solo aspiren a codearse con conceptos ya instalados globalmente como pizzerías, hamburgueserías, sushi bares o taquerías mejicanas, sino que, además, generen al Perú enormes beneficios tanto económicos como de marca país."
(grifos meus)
Esse discurso vem de encontro com o que foi amplamente discutido na BID, nos âmbitos de design e moda: hoje quando falamos em algum produto "made in Japan" ou "made in German" está implícito no termo informações sobre o produto: se é de boa ou má qualidade, se o forte é o design ou a tecnologia, ou ainda os preços baixos como no caso do "made in China". Mas quando se fala de algo "made in Peru" ou "made in Guatemala", que informação recebemos? Praticamente nenhuma, ao menos aqui no Brasil. Não sabemos avaliar se um artefato made in Panamá é melhor ou pior do que um made in Bolívia, por exemplo. Ou estou errada? O que esses nomes depreendem como informação? Tirando os vinhos argentinos e chilenos, que já se posicionaram muito bem por aqui, e um ou outro produto típico, em geral os outros países carregam uma carga bastante pejorativa - "novelão mexicano", "whisky paraguaio"!!! E vários outros não remetem a absolutamente nada...
Vejo que há no Peru uma "movida" grande em relação a essas questões. Além do trabalho do Gastón na culinária, na moda e no design também há iniciativas parecidas, como por exemplo o trabalho do pessoal da Peru Moderno, uma grife de roupa urbana criada pelas estilistas Ena Andrade e Chiara Macchiavello, que tem como pano de fundo a chamada cultura chicha, conceito importante para se entender o Peru atual. A cultura chicha é um movimento de "fusión" entre o popular e o erudito, é a releitura urbana das culturas dos andes, da costa, das ruas promovendo um diálogo inédito no país e evidenciando o que eles chamam de "realismo estético andino".
São iniciativas como essas e tantas outras que poderão alterar pouco a pouco a visão estreita e reducionista que muitos temos desses países. Não é a toa que os restaurantes do Gastón ainda não chegaram no Brasil! Tomara que em breve isso aconteça e que essa "árvore absurda, partida em duas frondes", como tão bem definiu Gabriela Mistral as duas Américas, ganhe cada vez mais galhos entrecruzados.
achei o blog!
ResponderExcluirque otimo!
Aproveito para "te" ler, enquanto espero meu pedido da livraria...!!!
Falando nisso, quando vamos ao peruano da Barão do Flamengo?!?
ResponderExcluir