O que me encanta na obra de Claudia que, aliás, foi a pessoa que me apresentou ao conceito de "cultura chicha", é a maneira como lida com a tradição, uma tradição recriada, inventada, ficcional e a relaciona com questões contemporâneas bastante complexas. Em Madeinusa, por exemplo, a história se passa num vilarejo andino bastante isolado que tem como tradição uma comemoração muito peculiar da Semana Santa: se Jesus morreu na cruz na sexta-feira e ressuscitou no domingo, então entre sexta e domingo Deus está morto, e portanto o pecado não existe. Diante dessa lógica evidente, todo o povoado se prepara para fazer o proibido.
Acompanhei Claudia quando veio apresentar o filme no Festival do Rio 2006 e a primeira pergunta que pulula ao fim da sessão é sempre a mesma: "isso é verdade?". O jogo que ela consegue armar tão bem nos faz questionar uma série de paradigmas, no melhor estilo "a invenção das tradições", de Hobsbawn.
Nesse último filme, o pano de fundo é o Peru do Sendero Luminoso, assustado pela violência cotidiana do terrorismo. A própria Claudia explica:
“La teta asustada no es una creencia, es una enfermedad, una antigua enfermedad. Se contagia a través de la leche materna de las mujeres que fueron violadas durante la gestación y la lactancia. Sus hijos se infectarán de manera irremediable de ese silencioso terror. Fausta (Magaly Solier) lo tiene. Ella sufre de un miedo atávico que la invade por completo. Y más, guarda un secreto que no quiere ni puede revelar. Pero debe cumplir una promesa: llevar a su madre a su pueblo natal. Y para hacerlo debe encontrar la salida del laberinto que está dentro y fuera de ella”
Essa reinvenção das tradições faz hoje de Claudia Llosa uma figura chave nesse processo de resignificação do continente. Tomara que saia de Berlim com um merecido prêmio.
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