ESTADO DE SÃO PAULO
CADERNO2
25/01/2009
Intelectualidade a serviço do espírito pan-americanista
Movimento se fortaleceu quando EUA se sentiram ameaçados pelos nazistas
Antonio Pedro Tota
ESPECIAL PARA O ESTADO
É estimulante para um velho professor de história saber que jovens pesquisadores podem produzir algo novo de temas aparentemente “batidos”. A carioca Ana Luiza Beraba, em América Aracnídea, trabalha com o desconhecido suplemento Pensamento da América do jornal A Manhã, órgão do Estado Novo. O suplemento foi a fórmula da intelligentsia brasileira para juntar os fios das teias das Américas. Ana Luiza fez isso sem cair na fácil armadilha do nazismo/fascismo/totalitarismo para classificar o governo Vargas de 1937 a 1945.
Muitos optaram apressadamente pela fórmula acima depois de tomar conhecimento do discurso de Vargas de 1940, quando ele deu a entender que o futuro pertencia “aos povos vigorosos aptos à vida...”. O discurso de Getúlio parece ter sido interpretado como um manifesto nazi-fascista. E reciclado em 1944, por K. Loewestein num livro chamado Brazil Under Vargas e usado como padrão, até hoje, para entender (ou não entender) o Estado Novo. Loewestein empregou o conceito Gleischschautung para identificar a política do DIP. Nada mais fora do lugar. Significa nivelamento planejamento, organização. Impossível no Brasil de Vargas. Impossível essa hegemonia na América Latina, diria Richard Morse. Americanismo, pan-americanismo, relações entre intelectuais e relações culturais entre as Américas. Difícil não cair nos jargões ideologizados. Ana safou-se, mas teve de usar o politicamente correto estadunidense (por sorte aspeado) para designar os nascidos nos EUA.
Logo depois da independência, os pais da pátria dos Estados Unidos tinham dúvidas. Eram um país ou 13 países? Estados Unidos da América. Sabemos que a palavra América foi apropriada pelos EUA para designar um país sem nome. América veio a calhar. Os vizinhos continentais, lutando contra a Espanha ou Portugal e depois entre si, não prestaram atenção e deixaram que o nome virasse marca registrada do “irmão maior”. Por isso, talvez, os EUA pensaram numa impossível união das Américas num “pan” (totalidade). Isso estava na cabeça de Simon Bolívar em 1826, no chamado Congresso do Panamá. Só para nações hispano-americanas. Não deu certo. Bolívar, perto da morte, achava que a América Latina era um “caos primevo”. A união das Américas foi um sonho pouco atraente.
Essa cooperação interamericana seria impossível na maior parte do século 19. Na época, os americanos sabiam que não tinham muito a ver com o restante da América. A verdadeira América falava inglês, era branca e protestante. Podia ter imperfeições. Um irlandês católico ou um alemão católico. Os africanos escravos não entravam na contabilidade racista civilizatória. Os “estadunidenses” começaram a olhar com cobiça para o Sul quando da guerra com o México no fim dos anos 1840. Vencido o México, cresceu o movimento conhecido com All Mexico. Por que não anexar todo o México em vez de ficar só com o Texas, Novo México, Nevada, Colorado (parte) e Califórnia? A grita foi geral. Com o território, diziam os oponentes ao plano expansionista, viria gente pouco confiável. Mestiços, espanhóis, católicos, corruptos, lúbricos. Um alto funcionário americano, ou “estadunidense”, resumiu de forma mais calvinista a imagem que se fazia do México e, por extensão, da América Latina: “...enquanto em nossas cidades e municípios você ouve o zumbido ativo do trabalho incessante e o assobio estridente da máquina a vapor, lá você não ouve nada além do tambor e pífano; enquanto nós fazíamos ferrovias, eles faziam revoluções”. O movimento Todo México foi esquecido. Em 1890, os EUA insistiram na aproximação amigável e promoveram uma grande reunião em Washington com a participação da maioria dos países latino-americanos. Nasceu a Pan-American Union/União Pan-Americana/Union Pan-Americana com todas as publicações em três línguas. A guerra Hispano-Americana de 1898 arrefeceu os ânimos.
O encontro da União Pan-Americana, no México, em 1901 foi fria e antiamericana, ou melhor, anti-ianque.
Nos anos que precederam a 2ª Guerra, o pan-americanismo reapareceu com mais força.
O continente sentia-se ameaçado pelo crescente germanismo renascido no nazismo da Nova Alemanha. O pan-americanismo ficou mais forte depois de dezembro de 1941, quando os japoneses arrasaram Pearl Harbor. Poucos meses depois, Orson Welles estava no Brasil para soldar a amizade com as “outras Américas”.
Em 14 de abril de 1942, Orson fez um programa de rádio no Rio de Janeiro transmitido para os EUA. Era o Pan-American Day, não muito lembrado em nosso calendário oficial. O entrevistado foi Oswaldo Aranha, ministro de Relações Exteriores de Vargas. Orson apresentou o gaúcho comparando-o ao valente caubói do Texas. E Aranha falou em bom inglês, com sotaque, enaltecendo a amizade das Américas. Quatro dias depois, Orson reforçou o pan-americanismo: comandou um show no Cassino da Urca para comemorar o aniversário de Vargas. Era o Dia do Presidente, uma versão do President’s Day transportado para cá pelo Office of the Coordinator of Inter American Affairs, de Nelson Rockefeller.
Terminada a guerra e deposto Vargas, o Pan-American Day sumiu. O aniversário de Vargas ficou em família. E o pan-americanismo só sobreviveu no slogan da desaparecida Pan-American Airways – ligando as Américas.
Antonio Pedro Tota, historiador e professor da
PUC-SP, é autor de O Imperialismo Sedutor
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