domingo, 11 de outubro de 2009
Mundo Contemporâneo
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Disneylândia everywhere
Ainda bem que o velho mundo ficou no século passado… já estava cansado de viver num país que, ofegantemente, tentava chegar à Europa nadando e sem bússola. Agora, olho para os vizinhos de uma América Latina que não conheço. Uma América que, definitivamente, não é a dos generais e ditadores “cucarachas” perdidos no tempo. Que não é a do visto negado para os Estados Unidos, ou que paga caro a conta da corrupção.
É sem dúvida um convite para sacudir a poeira dando a volta por cima e renovarmos nossos olhares sobre os vizinhos, sem que isso tenha uma conotação ideológica. Chega daquela América embolorada e cheirando a mofo. Em pesquisa do Latinobarômetro, publicada hoje pela Folha, mostra que 73% dos latino-americano são favoráveis a uma integração econômica e apenas 60% apoia a integração política. Segundo a socióloga Marta Lagos, diretora do instituto, a razão principal seria a bipolarização do continente conduzida por Hugo Chávez, que acabou arranhando os esboços nessa direção (merci Chávez!).
Mesmo de forma não declarada e panfletária, a cultura serve a esse propósito. O desfile de Ronaldo Fraga, a abertura do restaurante La Mar em SP, o show da Bethânia com a Omara ano passado... tudo isso são laços de novo tipo que se estabelecem com esse vizinho "que mal cumprimentamos no encontro diário no elevador", no dizer do próprio Fraga. E conclui que a "troca de xícaras de açúcar" com esses vizinhos que não falam a mesma língua pode se dar sim pelo lado estético, gráfico, musical contemporâneo.
Como já tinha feito o fotógrafo argentino Marcos López em seu ótimo livro Pop Latino, Fraga mistura referências pop ao mundo das tradições. Afinal em terras como as nossas, filhas de processos de colonização, falar em cultura pura ou em tradição de raiz é quase risível. Somos por definição uma mistureba danada, que inclui sim os Estados Unidos. Chega de nos ver como água e azeite. Não somos nós contra eles. Nós estamos neles e eles estão em nós. E é o resultado disso que há de ser viável economicamente.
sábado, 23 de maio de 2009
Solo pasión?
quarta-feira, 20 de maio de 2009
80 filmes
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
Nós da Comunicação
É só clicar aqui!
domingo, 15 de fevereiro de 2009
La Teta Exultante!!!
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Ser ou não ser...
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Na Rádio
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Resenha 2
Crítica/"América Aracnídea - Teias Culturais Interamericanas"
Análise valoriza obra sobre jornal que tentou unir Brasil e vizinhos
Historiadora aborda "Pensamento da América", publicado durante ditadura de Vargas
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A referência cultural da elite brasileira é oriunda da Europa, até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e, desde então, dos Estados Unidos. Os vizinhos latino-americanos sempre estiveram culturalmente distantes. Ou quase sempre. "América Aracnídea", da historiadora Ana Luiza Beraba, é sobre esse "quase". Durante sete anos, entre 1941 e 1948, o governo brasileiro investiu na aproximação não só com os latinos, mas com os americanos de um modo geral.
O principal instrumento dessa política foi o suplemento "Pensamento da América", publicado no jornal "A Manhã", órgão da ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas. A metáfora da aracnídea remete às teias culturais entre os países do continente, que o jornal ajudou a tecer, valendo-se do trabalho de intelectuais modernistas ligados à diplomacia do governo Vargas. Para um projeto patrocinado pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), o suplemento até que era bem arejado. Um dos poetas mais traduzidos em suas páginas era o americano Walt Whitman, que no século 19 louvava a democracia dos Estados Unidos. Outro assíduo frequentador era o chileno Pablo Neruda, cujo comunismo também não agradava ao Estado Novo.
Para Ana Luiza Beraba, "o Brasil entrou no jogo do pan-americanismo não por pressão norte-americana, mas sim porque era a chance de se afirmar como potência no continente". Segundo ela, o Brasil conseguiu, com astúcia, inverter os interesses americanos em seu próprio favor. Não foi tarefa fácil. A iniciativa coincidiu com a americanização do Brasil, sobretudo a partir da adesão de Vargas aos Aliados, pondo fim às ambiguidades que por vezes o aproximavam do nazismo. Além disso, como nota a historiadora, dentro do próprio governo havia resistência entre os ideólogos mais nacionalistas.
O suplemento durou enquanto houve interesse político. Com a polarização ideológica entre capitalismo e comunismo a partir do final da década de 40, o pan-americanismo perdeu relevância. "Pensamento da América" foi uma vítima da Guerra Fria. A amarração das análises valoriza o material importante que estava esquecido nos arquivos. A imbricação entre arte, política e diplomacia é explorada num texto em que o rigor acadêmico não prejudica a fluência, a ponto de a autora, sem resistir ao jogo de palavras, incomum em obras do gênero, afirmar que, sob Vargas, o Itamaraty estava literalmente nas mãos de um aracnídeo: Oswaldo Aranha. O livro tem ainda um valor extrínseco: a oportunidade. Ele surge num momento em que o governo brasileiro se esforça em estreitar laços com outros países do continente, também com o objetivo de exercer liderança regional. São iniciativas que, como o Mercosul, têm no "Pensamento da América" um embrião remoto.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor, entre outros livros, de "Folha Explica Roberto Carlos" e "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes), todos pela Publifolha.
AMÉRICA ARACNÍDEA -TEIAS CULTURAIS INTERAMERICANAS
Autora: Ana Luiza Beraba
Editora: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 39 (224 págs)
Avaliação: bom
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
La Teta Asustada
Resenha
ESTADO DE SÃO PAULO
CADERNO2
25/01/2009
Intelectualidade a serviço do espírito pan-americanista
Movimento se fortaleceu quando EUA se sentiram ameaçados pelos nazistas
Antonio Pedro Tota
ESPECIAL PARA O ESTADO
É estimulante para um velho professor de história saber que jovens pesquisadores podem produzir algo novo de temas aparentemente “batidos”. A carioca Ana Luiza Beraba, em América Aracnídea, trabalha com o desconhecido suplemento Pensamento da América do jornal A Manhã, órgão do Estado Novo. O suplemento foi a fórmula da intelligentsia brasileira para juntar os fios das teias das Américas. Ana Luiza fez isso sem cair na fácil armadilha do nazismo/fascismo/totalitarismo para classificar o governo Vargas de 1937 a 1945.
Muitos optaram apressadamente pela fórmula acima depois de tomar conhecimento do discurso de Vargas de 1940, quando ele deu a entender que o futuro pertencia “aos povos vigorosos aptos à vida...”. O discurso de Getúlio parece ter sido interpretado como um manifesto nazi-fascista. E reciclado em 1944, por K. Loewestein num livro chamado Brazil Under Vargas e usado como padrão, até hoje, para entender (ou não entender) o Estado Novo. Loewestein empregou o conceito Gleischschautung para identificar a política do DIP. Nada mais fora do lugar. Significa nivelamento planejamento, organização. Impossível no Brasil de Vargas. Impossível essa hegemonia na América Latina, diria Richard Morse. Americanismo, pan-americanismo, relações entre intelectuais e relações culturais entre as Américas. Difícil não cair nos jargões ideologizados. Ana safou-se, mas teve de usar o politicamente correto estadunidense (por sorte aspeado) para designar os nascidos nos EUA.
Logo depois da independência, os pais da pátria dos Estados Unidos tinham dúvidas. Eram um país ou 13 países? Estados Unidos da América. Sabemos que a palavra América foi apropriada pelos EUA para designar um país sem nome. América veio a calhar. Os vizinhos continentais, lutando contra a Espanha ou Portugal e depois entre si, não prestaram atenção e deixaram que o nome virasse marca registrada do “irmão maior”. Por isso, talvez, os EUA pensaram numa impossível união das Américas num “pan” (totalidade). Isso estava na cabeça de Simon Bolívar em 1826, no chamado Congresso do Panamá. Só para nações hispano-americanas. Não deu certo. Bolívar, perto da morte, achava que a América Latina era um “caos primevo”. A união das Américas foi um sonho pouco atraente.
Essa cooperação interamericana seria impossível na maior parte do século 19. Na época, os americanos sabiam que não tinham muito a ver com o restante da América. A verdadeira América falava inglês, era branca e protestante. Podia ter imperfeições. Um irlandês católico ou um alemão católico. Os africanos escravos não entravam na contabilidade racista civilizatória. Os “estadunidenses” começaram a olhar com cobiça para o Sul quando da guerra com o México no fim dos anos 1840. Vencido o México, cresceu o movimento conhecido com All Mexico. Por que não anexar todo o México em vez de ficar só com o Texas, Novo México, Nevada, Colorado (parte) e Califórnia? A grita foi geral. Com o território, diziam os oponentes ao plano expansionista, viria gente pouco confiável. Mestiços, espanhóis, católicos, corruptos, lúbricos. Um alto funcionário americano, ou “estadunidense”, resumiu de forma mais calvinista a imagem que se fazia do México e, por extensão, da América Latina: “...enquanto em nossas cidades e municípios você ouve o zumbido ativo do trabalho incessante e o assobio estridente da máquina a vapor, lá você não ouve nada além do tambor e pífano; enquanto nós fazíamos ferrovias, eles faziam revoluções”. O movimento Todo México foi esquecido. Em 1890, os EUA insistiram na aproximação amigável e promoveram uma grande reunião em Washington com a participação da maioria dos países latino-americanos. Nasceu a Pan-American Union/União Pan-Americana/Union Pan-Americana com todas as publicações em três línguas. A guerra Hispano-Americana de 1898 arrefeceu os ânimos.
O encontro da União Pan-Americana, no México, em 1901 foi fria e antiamericana, ou melhor, anti-ianque.
Nos anos que precederam a 2ª Guerra, o pan-americanismo reapareceu com mais força.
O continente sentia-se ameaçado pelo crescente germanismo renascido no nazismo da Nova Alemanha. O pan-americanismo ficou mais forte depois de dezembro de 1941, quando os japoneses arrasaram Pearl Harbor. Poucos meses depois, Orson Welles estava no Brasil para soldar a amizade com as “outras Américas”.
Em 14 de abril de 1942, Orson fez um programa de rádio no Rio de Janeiro transmitido para os EUA. Era o Pan-American Day, não muito lembrado em nosso calendário oficial. O entrevistado foi Oswaldo Aranha, ministro de Relações Exteriores de Vargas. Orson apresentou o gaúcho comparando-o ao valente caubói do Texas. E Aranha falou em bom inglês, com sotaque, enaltecendo a amizade das Américas. Quatro dias depois, Orson reforçou o pan-americanismo: comandou um show no Cassino da Urca para comemorar o aniversário de Vargas. Era o Dia do Presidente, uma versão do President’s Day transportado para cá pelo Office of the Coordinator of Inter American Affairs, de Nelson Rockefeller.
Terminada a guerra e deposto Vargas, o Pan-American Day sumiu. O aniversário de Vargas ficou em família. E o pan-americanismo só sobreviveu no slogan da desaparecida Pan-American Airways – ligando as Américas.
Antonio Pedro Tota, historiador e professor da
PUC-SP, é autor de O Imperialismo Sedutor
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Repercussão
ESTADO DE SÃO PAULO
CADERNO 2
25/01/2009
BRASIL
E UM DIA O BRASIL QUIS SE TORNAR UMA ARANHA
América Aracnídea, de Ana Luiza Beraba, aborda dificuldades de unir o continente
por Francisco Quinteiro Pires
ESTADO BRASILEIRO, NOS 1940, APOSTOU NO PAN-AMERICANISMO PARA VIRAR POTÊNCIA
Quando certa manhã Getúlio Vargas acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. GV transformara-se numa aranha. Não é que de repente ele fora incluído num romance à la Franz Kafka. Essa metamorfose, nada ficcional, está registrada na História. Para ser mais preciso, Getúlio Vargas era o centro nervoso de uma aranha chamada Brasil que, dividindo espaço na mesma teia com outra
aranha, os EUA, tecia os fios culturais do pan-americanismo.
Os sonhos intranquilos deviam-se à 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Depois de certo período de ambiguidade política, o governo brasileiro decidiu embarcar de vez no barco dos Aliados na luta contra o Eixo. Se durante a 2ª Guerra se iniciou o processo de americanização do Brasil, essa investida político-cultural não se deu sozinha. A fim de ser uma potência regional, o Brasil, a seu modo, contra-atacou. O ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha, contrário aos nazistas e fortalecido no governo no fim dos anos 1930, jogava as suas teias diplomáticas. O Brasil teve uma atitude internacionalista com o continente americano que em nada afetou o conhecido nacionalismo do Estado Novo (1937-1945). Valia a ideia da autodeterminação dos povos no jogo com os outros países, sobretudo os EUA, promotores da Política da Boa Vizinhança. Daí a pertinência da metáfora de que Brasil e EUA seriam as duas âncoras (aranhas) do continente, usada por Cassiano Ricardo, dirigente do A Manhã,
jornal oficial do Estado Novo criado em 1941 e extinto em 1948. Nele circulou o Pensamento da América, suplemento dominical de cultura que promoveu a integração intelectual dos países americanos. Suas páginas abrigaram o “espírito pan-americano”, que não anulava a diversidade nacional. O modernista Cassiano Ricardo, autor de Martim Cererê, dizia que
“há vinte e uma formas de ser americano, e não uma apenas”.
Formavam a América as seguintes repúblicas independentes: Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador,Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Guatemala, México, Estados Unidos, Canadá, Cuba e República Dominicana. Haiti, vez por outra, é citado. Não se distinguia América Latina de América Anglo-Saxônica.
A circulação de Pensamento da América, fato pouco conhecido, é o tema de América Aracnídea – Teias Culturais Interamericanas (Civilização Brasileira, 224 págs., R$ 39), da historiadora Ana Luiza Beraba, de 29 anos. Pensamento da América, além de falar da relação do Brasil com outros povos, revela a condução ambígua da política por Vargas. “Ele era muito sagaz, sabia jogar, como prova a decisão tardia entre apoiar EUA ou Alemanha”, diz. O então presidente mostrava sua essência enigmática, em razão da qual pode ser
chamado de pai dos pobres e mãe dos ricos.
Criado pelo diplomata Rui Ribeiro Couto, Pensamento da América tinha relações estreitas com o Itamaraty e os intelectuais modernistas. “O motor do suplemento era diplomático e a finalidade, política.” Ele estava a serviço da ideologia oficial. Ana Luiza refuta a incoerência entre o projeto nacionalista de Vargas e o pan-americanismo do suplemento. “A questão da
terra é extremamente importante para a publicação, acreditava-se que para defender o Brasil era preciso primeiro saber o que não é o Brasil”, diz. “A delimitação do território era fundamental, por isso a presença forte da literatura regionalista no suplemento”, completa.
A atuação de modernistas não é casual. O modernismo tentou redescobrir o País e sua identidade. O governo escolheu como diretor de redação Cassiano Ricardo, modernista conservador, ícone do grupo Verde-Amarelo. O regionalismo sintetizou o conceito de brasilidade, pois unia o regional ao nacional, origem do elo entre modernistas e Estado Novo.
Ana Luiza afirma que Pensamento da América refazia a imagem do continente para os brasileiros, ao mesmo tempo que o governo os bombardeava com a ideia de um novo país. As referências não estariam mais na Europa. “Ao contrário do que se pode concluir, o discurso varguista era muito coerente”, afirma.
Por isso não deveria causar espécie a comparação de Cassiano Ricardo entre Getúlio Vargas, Simon Bolívar e James Monroe, “os mentores do americanismo”. Apesar do interesse político, o que estava em pauta, segundo Ana Luiza, era a divulgação dos valores intelectuais dos povos do continente. À semelhança do 3º Reich e dos EUA de Franklin D. Roosevelt, o Estado varguista valia-se da cultura como arma política – secretando ideias como uma picada de inseto que não arde.
Pensamento da América teve três fases durante as quais o conteúdo se diversificou. Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Dante Milano, Gilberto Freyre e Cecília Meireles, entre outros, compunham a redação do A Manhã, de circulação nacional. Impressiona, segundo Ana Luiza, a modernidade da paginação que privilegiava o material iconográfico, como mapas e fotografias. Os leitores podiam, por exemplo, apreciar a reprodução dos últimos trabalhos do pintor mexicano Diego Rivera.
A primeira fase, sob a direção do poeta e diplomata Ribeiro Couto, vai de agosto de 1941 a fevereiro de 1943 – Manuel Bandeira assumiu o comando durante 6 meses. Deu-se “um turbilhão de propostas e descobertas”. A segunda – de março de 1943 a novembro de 1945 – é a fase da maturidade e da fertilidade. O conteúdo fica mais plural com Renato Almeida, folclorista e musicólogo. A ênfase, antes, era dada à literatura. Música, cinema, artes plásticas, geografia, urbanismo encontraram guarida. A última é a fase da agonia, do começo de 1946 a fevereiro de 1948. Temas gerais são contemplados e o nome do diretor desaparece do expediente.
Durante esses 7 anos de existência, vários artistas americanos (não confundir, neste caso, americano com norte-americano) publicaram textos, entre eles Gabriela Mistral, Walt Whitman, Alfonso Reyes, Pablo Neruda, Alfonsina Storni, Jorge Luis Borges, Fernando Ortiz, William Carlos William, Aaron Copland. O leque de colaboradores brasileiros era abrangente – Oswaldo Goeldi, Murilo Mendes, Brito Broca, Lêdo Ivo, Ascendino Leite, Marques Rebelo, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto, etc.
Ana Luiza pesquisou a coleção do suplemento, quase completa e pertencente a Plínio Doyle, na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio. Sem receber bolsa, ela usou o tempo livre para ler as 1.128 páginas do suplemento. O trabalho demorou 3 anos. Detalhe importante: Ana Luiza Beraba foi desaconselhada a fazer a pesquisa. Diziam-lhe ser “irrelevante” o contato entre Brasil e as nações vizinhas. Mas conversas com pessoas do quilate do argentino Néstor
García Canclini foram incentivadoras. Depois de virar monografia de graduação da Faculdade de História da UFRJ, o trabalho de Ana Luiza foi ao livro, elogiado pelo uruguaio Eduardo Galeano, autor de As Veias Abertas da América Latina.
Ana Luiza estudou cinema na EICTV, em Cuba. Desde 2003 integra a coordenação
internacional do Festival do Rio. Está concluindo a pós-graduação em gestão cultural na FGV-Rio. Nas pesquisas para a pós – entrevistas com 300 espectadores do Festival do Rio de 2007 –, ela comprovou mais uma vez o desconhecimento em relação ao continente. Quando os pesquisados respondem quais são os cineastas latino-americanos que conhecem, citam Walter Salles (em primeiro lugar) e Pedro Almodóvar (em segundo). Mas Almodóvar é
espanhol. E, quando pensam em cinema latino-americano, lembram-se de miséria e violência, sol e carnaval. “A cultura dos países vizinhos nos é alheia, o preconceito ainda existe”, ela diz.
Pensamento da América durou mais do que deveria (até 1948), pois ficara sem propósito político após Getúlio Vargas ter saído da Presidência. Isso revelaria “o prestígio” do suplemento. De 1945 em diante, artigos de interesse geral, sem identidade própria, ganharam espaço. O fim do projeto confirmou ser necessário o descobrimento real da América, apesar de Cristóvão Colombo ter chegado às ilhas das Caraíbas (Antilhas) em 1492. “Não conhecemos nem sabemos lidar com o nosso próprio talento até hoje.” Essa
necessidade soa mais fantástica do que o fato de o Brasil ter se transformado, um dia, numa aranha.
Quem escreveu no ‘Pensamento da América’
CASSIANO RICARDO: “Aparecendo, portanto, num instante ímpar de nossa história – quando corpo e a alma do autêntico Brasil emergem de um processo revolucionário que nos restituiu os veios mais secretos de nossa originalidade como povo e como Estado, o objetivo principal de A Manhã é trabalhar por esta obra de confraternização brasileira e espelhar os fatos deste instante emotivo e criador. O seu rumo está, assim, definido: ela pretende ser o pensamento brasileiro em função dos nossos ideais de nacionalidade.” (Texto do escritor modernista sobre a linha editorial do
suplemento, de agosto de 1941)
RAUL BOPP: “É a supremacia técnica da América que vai ditar a resposta. Ela retomou ritmos de produção tirânica. O gênio de aço acendeu as fornalhas. Cresceram as fábricas como monstros achatados, mastigando noite e dia fatias de ferro (...) É a marcha das máquinas a marcha da vitória. Chegaremos, certamente, um dia, por highways, de Los Angeles ao Chile, Rio de Janeiro ou Buenos Aires. Mas os autos rodarão em pneumáticos de borracha da Amazônia, onde ela é nativa – seja de procedência peruana, venezuelana, boliviana ou brasileira –, e não mais das Índias de além-Pacífico. Com o desenvolvimento
da aviação veremos, em futuro próximo, esquadrilhas do ar riscando o céu no afã de reunir distâncias, vencendo a territorialidade e o isolamento. Por conseguinte, farão de melhor modo a aproximação dos povos, em uma solidariedade e equilíbrio de interesses.” (Texto do escritor modernista sobre o espírito progressista do pan-americanismo, de junho de 1945)
RENATO ALMEIDA: “(Rui Ribeiro Couto) é um cavaleiro da cooperação intelectual. Por toda parte onde o tem levado o destino andejo de diplomata, é sempre um elemento fecundo de compreensão e consegue estabelecer logo contatos espirituais, que desenvolve, tanto para nos tornar conhecidos como para nos fazer conhecer as terras por onde anda e as gentes que o acolhem.” (Texto do folclorista quando sucedeu a Rui Ribeiro Couto na direção do
suplemento, de abril de 1943)
GABRIELA MISTRAL: “Árvore absurda, partida em duas frondes que, separadas no tronco por somente cinco polegadas, se repudiam e dividem no alto por um rasgão e um vazio de metros. O tronco é um, a seiva é uma, e a espécie e o gênero também, mas a árvore teve o louco humor de não ver as duas frondes. De ramo a ramo, não corre nenhuma palpitação emocional comum, e sua única raiz parece um mito.” (Texto da poeta chilena sobre o desconhecimento mútuo dos países americanos, de setembro de 1945)
CECÍLIA MEIRELES: “Entre marquesa empoada e clown lírico – mal a pude ver num momento movediço de hotel. Tinha nos olhos e no riso um fulgor igual: a ironia, essa indulgência dos tristes; a poesia, essa tristeza dos bons. Uma prematura cabeleira toda de lua, que fazia Gabriela Mistral dizer-lhe, como a um bichinho meigo: ‘ratinho branco...’ Um dia, em 1938, o Uruguai convidou essas duas altas vozes – a argentina e a chilena – a se unirem à de sua Juana de Ibarbourou, para juntas explicarem o mistério de seu lirismo. Foi
uma festa inesquecível. (... ) Estava necessitada e cansada. Ponho-me a reler seus versos: tão desejosos de encontro, de repercussão. Nascera para o mais triste e mais irresistível dos verbos: dar-se. Que é um verbo curto, irregular, e só ironicamente reflexivo.” (Texto da escritora carioca sobre o suicídio,aos 46 anos, da poeta argentina Alfonsina Storni, de fevereiro de 1948)